ANTÓNIO FLOR
Sexta-feira, no Stade de France, em Paris, Usain Bolt e Asafa Powell vão estar nos blocos de partida para os 100 metros, mas as atenções irão concentrar-se num branco que estará a seu lado. Christophe Lemaitre, um francês de 20 anos, tornou-se o mais mediático velocista europeu ao fazer os 100 m em 9,98 segundos. Está muito longe de Bolt (9,58) e Powell (9,72), é verdade, mas conseguiu há dias ser o primeiro branco a correr a distância abaixo dos 10 segundos, entrando numa elite que já contava com... 71 negros.
Ainda jovem, com uma técnica considerada incipiente - tem o tronco erecto ao fim de dez metros, o que em teoria prejudica a aceleração, e bateu o recorde com 43 passadas, tendo dado apenas 41 (as mesmas de Bolt) nas eliminatórias, mas com pior tempo... - e reconhecendo que lhe falta trabalho de musculação, Lemaitre limitou-se a dizer, quando bateu o recorde, que "é histórico, mas para mim", provando ter os pés assentes no chão. A sua marca é excelente no contexto europeu, mas o francês passou a ocupar um modesto 56º lugar no "ranking" de todos os tempos. A singularidade do feito reside, então, no facto de estar no início de uma carreira internacional e por ser caucasiano, ao contrário de todos outros 71 velocistas que conseguiram baixar dos 10 segundos, que são negros, africanos ou de origem africana, à excepção do australiano Patrick Johnson (correu os 100 m em 9,93s) filho de pai irlandês e mãe aborígene. Ou seja, Lemaitre, que começou por jogar andebol e só aos 15 anos descobriu o talento inato para o sprint, entrou verdadeiramente num grupo que nunca admitiu brancos. Os 100 metros transformaram-se na prova mais rácica da actualidade, embora a predisposição genética da raça negra para o desporto, continue a gerar um debate onde uma só conclusão não é possível.
Há estudos que falam do gene ACTN3 (ver caixa), Fausto Ribeiro, com uma longa carreira a treinar sprinters, aponta-nos o comprimento do fémur e um centro de gravidade mais avançado, mas também há quem negue a evidência. "Cientificamente, a raça é um conceito desacreditado" considera Robert Scott, investigador no Instituto de Ciências Metabólicas em Cambridge. "Para se chegar ao alto nível, terá de haver bom comportamento, boa alimentação, boa formação e… bons genes", acrescenta Daniel MacArthur, do Instituto de Pesquisa Neuromuscular, em Sydney. A teoria é interessante, mas não têm sido questões sociais a determinar quem é sprinter e um domínio de 71 para 1 não parece ser... coincidência!
ACTN3 é o gene dos sprinters
Só na última década se têm estudado a fundo as variações genéticas. O gene ACTN3, que desencadeia a produção de uma proteína que aumenta as fibras musculares, valoriza o desempenho de alto nível nos velocistas. Este gene pode ser activo (RR ou RX) ou passivo (XX). Para os velocistas de nível muito alto, um gene activo faz a diferença. Como se comprovou que estes genes são distribuídos de forma desigual no mundo, existindo em maior percentagem entre quem tem origens africanas, está aqui uma expelicação. "A análise do ADN de 200 jamaicanos de nível olímpico mostrou que 80% tem a variante RR", observou Rachel Irving, uma pesquisadora da Universidade de West Indies. Somente 1 a 2% dos africanos ocidentais têm a variante XX, a variante baixa, contra 18% dos americanos, 20% dos europeus e 25% dos asiáticos. O ACTN3 será, no entanto, apenas uma pequena parte do quadro geral.
Fausto Ribeiro
"Há diferença no tamanho do fémur"
Fausto Ribeiro, o responsável pela formação e primeiros títulos internacionais de Francis Obikwelu, presentemente a trabalhar com velocistas das Caraíbas (República Dominicana), entende que a marca de Lemaitre é fenomenal. "Ele é simplesmente mais um grande velocista que aparece muito jovem. Além de já ter conseguido as extraordinárias marcas de 9,98s aos 100 m e 20,16s nos 200 m, o que realmente torna tudo marcante e inédito é ele ser branco; e com esta idade, tão jovem, poucos foram os negros que o conseguiram", considera o técnico, enumerando aquelas que considera principais diferenças entre caucasianos e negros: "Para além das questões sócio-culturais, os brancos apresentam duas diferenças anatómicas em relação aos negros oriundos da África Ocidental, que geram um "handicap" difícil de ultrapassar. O primeiro é a relação entre o comprimento do fémur e os outros ossos do esqueleto humano, sendo maior nos negros; e é exactamente entre fémur e tudo o que o envolve que se situa o maior trabalho muscular de um bom velocista." Fausto vai mais longe: "Os negros têm ainda uma lordose da coluna vertebral, originando um centro de gravidade mais avançado do que nos brancos."
C/ "O Jogo"
Cluve-13.07.2010